Literatura Europeia · Literatura Policial

Os Três Crimes dos Meus Amigos

Conheci Georges Simenon no secundário, quando a nossa professora de francês nos deu a tarefa de ler L’ Homme de Londres (1934), integralmente no original. Pouco ou nada me lembro do livro, mas como desafio foi uma boa experiência, não só porque me permitiu exercitar a língua, como me apresentou a um autor que eu haveria de querer seguir. Entretanto já li O Quarto Azul (1964) e, mais recentemente, Os Três Crimes dos Meus Amigos (1938).

Este último, não foi o que eu esperava. Como Simenon é sobretudo conhecido pelos seus policiais, tinha a expectativa de encontrar o inspector Maigret ou um crime que fosse desvendado por outro detective. No entanto, deparei-me com uma história baseada em factos reais, sobre a desilusão e a desesperança que se viveu após a I Guerra Mundial.

A história decorre num bairro de Liège, Bélgica, onde alguns jovens artista e intelectuais, desiludidos e traumatizados com I Guerra, começam a encontrar-se num lugar sórdido a que chamavam de “caque” e a cometer pecados mortais, como adorar o diabo, drogarem-se e prostituirem-se. No meio destas excentricidades, aparece um homem que se denomina “Fakir” e começa a fazer experiências num jovem rapaz pintor e doente que droga e acaba por levar ao suicídio. Mais tarde, “Fakir” é encontrado enforcado à porta de uma igreja, a escassos metros da “caque”.

Estes acontecimentos perturbam o narrador, amigo da vítima. Quando surge a oportunidade de seguir a carreira de jornalista num jornal satírico que acaba de aparecer pela mão de um conhecido seu, ele aceita. O problema é que o jornal é financiado com dinheiro suspeito e rapidamente se torna um meio de chantagem pública. É readquirido por outra pessoa, e o diretor original foge para Barcelona de modo a dedicar-se ao proxenetismo. O novo dono do jornal, sob a capa de um patriotismo artificial, acaba por ganhar fama e condecorações, enquanto se dedica a ciências ocultas e a fazer ameaças no seu jornal. É condenado, não sem antes fugir para, também ele, cometer o seu crime.

São estes os acontecimentos que Simenon narra, quase como uma recordação de juventude, enquanto se pergunta a si próprio se os seus três conhecidos eram assassinos em formação ou ficaram assim devido aos acontecimentos por que passaram. O livro termina sem que consiga dar uma resposta, cabendo ao leitor pensar numa solução, no entanto, são visíveis as marcas de uma guerra que traumatizou os jovens europeus que lutaram nas trincheiras para defender o seu país, e revela um mundo ocidental que começou a decair a partir daí. Um livro estranho, mas interessante.

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