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Diário de um Homem Supérfluo

Gosto muito de literatura russa. O meu escritor russo preferido é Dostoiévski, cuja casa-museu tive a oportunidade de visitar em São Petersburgo (com artigo próprio aqui no blogue), mas também gosto de Tolstoi (apesar de ainda não ter lido as suas obras-primas), Gogol, Nabokov, Tchékhov, Pasternak… Entretanto, fiz a minha estreia com Ivan Turgueniev.

Escolhi “Diário de um Homem Supérfluo” (1850) pela sua brevidade (88 páginas) e pelo seu título incomum. O diarista, Tchulkatúrin, é um rapaz de 30 anos com uma doença terminal que decide deixar por escrito, a quem interessar, os momentos mais importantes da sua vida. Começa por falar da triste infância para se concentrar no episódio que mais o marcou: o seu amor por Liza. Este romance não correspondido é o detonante da sua tristeza e da razão do título, numa altura em que a teoria do niilismo começava a aparecer, O mais irónico, ou não, é que Tchulkatúrin é a única personagem verdadeiramente boa e que tenta fazer o bem, e, como consequência disso, é tratado como supérfluo, ou seja, alguém que não faz falta e está a mais. Agora, escrevendo assim, não posso deixar de pensar em Gregor, a personagem principal de Kafka em “A Metamorfose” (1915).

Gostei muito desta leitura. É um daqueles casos em que se diz muito com poucas palavras. Já tenho à espera outras três obras do autor: “Águas de Primavera”, “Fumo” e a que é considerada a sua obra-prima, “Pais e Filhos”. Mal posso esperar para lê-las.

Fiódor Dostoiévski · Literatura Russa

Os Irmãos Karamázov

O que dizer de um livro perfeito? Leiam-no.

Fiodor Dostoievki é um dos meus escritores preferidos. Já li seis das suas obras (“Noites Brancas”; “O Jogador”; “Memórias do Subsolo”; “O Eterno Marido”; “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamázov”), e quanto mais leio, mais se consolida como um dos meus autores de cabeceira.

A presente história tem início com Fiodor Karamázov, um homem bruto, rude e sem maneiras, que gosta de beber e de dinheiro. Os dois casamentos que faz são por interesse e, apesar de as esposas terem falecido desgostosas e de morte natural, deixam-lhe três filhos: a primeira, Dmitri, e a segunda, Ivan e Aleksei. Fiodor não se interessa por nenhum deles, ficando as crianças à mercê de empregados e familiares. Mais tarde, quando os rapazes se tornam adultos e voltam a contactar o pai, vemos que os seus caminhos tomaram rumos muito diferentes: Dmitri é um pândego, sendo o mais parecido com Fiodor; Ivan é o típico intelectual do Iluminismo, rejeitando Deus e a moralidade; e Aleksei torna-se monge num mosteiro. A relação entre os irmãos é geralmente pacifica, o grande problema que eles têm é com o pai, Fiodor Karamázov. E é a partir daqui que a narrativa se desenrola.

Adorei este livro. É longo, intenso, complexo, repetitivo, filosófico. É uma leitura árdua e exigente, mas muito compensadora. Dostoievski sabe como ninguém chegar às profundezas do pensamento e da alma, fazendo-nos questionar a condição humana e, no seu caso, as características psicológicas. E, apesar de eu continuar a preferir “Crime e Castigo” (cujo final me emocionou profundamente), não posso deixar de recomendar “Os Irmãos Karamázov”. Uma história que fica para sempre connosco.

Literatura Russa

O Eterno Marido

*spoilers

Dostoiévski é um dos meus escritores preferidos. O Eterno Marido (1870) foi o quarto livro que li do autor.

Esta novella, publicada originalmente na revista literária Zarya, conta a história de dois homens que têm em comum a mesma mulher: Pável Pávlovitch é o marido, e Veltchanínov é um dos amantes. O livro começa a meio da narrativa (in media res) quando Pável vai subtilmente ao encontro de Veltchanínov para lhe dizer que a esposa morreu. Não está sozinho, leva a filha, Lisa, que Veltchanínov percebe logo que é sua. Pável trata mal a menina, e Veltchanínov sugere-lhe que a levem para casa de um casal seu amigo, conhecido por gostar muito de crianças. Apesar da mudança de ambiente e do bom tratamento, Lisa acaba por morrer.

Veltchanínov fica muito afetado com esta morte e passa a odiar Pável, mas este encontra-se numa escalada descendente, embebedando-se todos os dias e aparecendo em casa de Veltchanínov a altas horas da noite, sem ser convidado. Até que decide voltar a casar. Pede a Veltchanínov que vá com ele a casa da futura noiva. O encontro corre bastante mal. Pável é renegado pela menina, que se sente atraída por Veltchanínov. Após esta aventura, os dois homens regressam a casa de Veltchanínov, onde, a meio da noite, Pável o tenta matar com uma faca de barbear. Veltchanínov antevê o golpe e escapa apenas com um ferimento na mão.

Anos mais tarde, os dois acabam por reencontrar-se por acaso numa estação de comboio. Veltchanínov vai a caminho de casa de uma senhora que deseja muito conhecer, e Pável está com a sua nova esposa. Esta é uma mulher muito bonita e atraente, mas de más maneiras e conduta duvidosa. É óbvio que trai Pável com outros homens e está disposta a fazê-lo com Veltchanínov.

Apesar de pequeno, este livro é muito interessante. Tal como já referi em relação a outras obras do escritor, o grande talento de Dostoiévski é compreender e dissecar maravilhosamente a psique humana. Não admira que Freud o tivesse como grande inspiração. O leitor sente-se imerso nos pensamentos de Veltchanínov e percebe perfeitamente o que ele sente e para onde se dirige. É um homem gingão e masculino, sem pudor em relacionar-se com mulheres alheias, enquanto Pável é o que Dostoiévski chama de “eterno marido”, alguém que não consegue viver sem estar casado e a quem todas as mulheres traem com homens mais poderosos e aliciantes. Os comportamentos de um e de outro são aqui expostos de uma forma honesta, infantil e quase ridícula. Dois exemplos a não seguir, mas que proliferam na, então, sociedade moderna do final do século XIX.

Pouco mais há a dizer sobre Dostoiévski. Foi um dos grandes escritores visionários da sua geração cujos livros impactaram devido a uma moralidade intrínseca que nos faz refletir e, no fundo, desejar ser pessoas melhores. Recomendo vivamente.