Literatura Europeia

Soldados de Salamina

A única coisa que eu sabia sobre a Guerra Civil Espanhola era que tinha ocorrido entre 1936/39, que tinha levado o general Francisco Franco ao poder, que a família real espanhola foi obrigada a fugir, exilando-se no Estoril e em Cascais, onde os Condes de Barcelona têm um monumento, e que, mais tarde, Franco chamou Juan Carlos para lhe suceder. 

Sabia também que foi uma guerra brutal, opondo nacionalistas e republicanos em batalhas violentas tão comovedoramente representadas na arte como a de Guernica, por Picasso. 

No entanto, desconhecia por completo o interessante episódio que Javier Cercas relata neste seu “Soldados de Salamina”. Sanchez Mazas, um dos fundadores da falange, escapa de um fuzilamento colectivo, escondendo-se na floresta. Um dos soldados que vai à sua procura encontra-o, porém não o denuncia, deixando-o em liberdade. Este acontecimento molda a vida futura de Mazas e, de certa forma, a do país. Anos mais tarde, um jornalista (Cercas), ouve contar esta história e decide escrever um livro sobre ela, indo em busca do soldado que salvou Mazas. 

Gostei muito desta leitura. A narrativa não podia ser mais intrigante, tendo em conta que se trata de um relato real. Cercas escreve bem e com ritmo, interpondo História com a feitura do livro. 

A única coisa que não me agradou foi o facto de Cercas ter dado ao final uma demão ideológica que, a meu ver, era desnecessária. Eu não estava interessada em saber as simpatias partidárias do autor, nem o que ele pensa dos personagens em questão, pelo que os últimos parágrafos foram infelizmente um autêntico turn-off. 

Na minha opinião, uma guerra civil é a pior de todas as guerras. Opõe irmãos contra irmãos, vizinhos contra vizinhos, conterrâneos contra conterrâneos. E as feridas são as mais difíceis de sarar. (A única guerra civil portuguesa, A Guerra dos Dois Irmãos, decorreu no século XIX.) 

Isto vê-se em “Soldados de Salamina”. O relato cru de um episódio ao mesmo tempo simples e complexo, numa Espanha que é, aos meus olhos, ao mesmo tempo simples e complexa. Recomendo

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Top Leituras 2023

Bom ano!

Foi-se 2023 e chegou 2024 e, com ele, novos objectivos de leitura. Desde que em 2018 comecei a registar os meus livros na plataforma Goodreads que me é mais fácil controlar a minha vida literária. Registo as leituras que vou fazendo, as que quero fazer e leio as opiniões das pessoas que sigo.

A minha meta vai mudando ao longo do tempo por diversos motivos. Já esteve nos 45 livros por ano, nos 30, e por ora encontra-se confortavelmente nos 35. Foi precisamente este o total que li o ano passado, sendo que 8 obras se estabeleceram como as minhas preferidas. Ei-las:

  • “O Palácio de Gelo” (1963), de Tarjei Vesaas
  • “A Trilogia de Copenhaga” (1967/71), de Tove Ditlevsen
  • “Beleza” (2009), de Roger Scruton
  • “O Conde de Monte Cristo” (1844), de Alexandre Dumas
  • “Terna é a Noite” (1934), de F. Scott Fitzgerald
  • “Reunion” (1971), de Fred Uhlman
  • “A Casa da Alegria” (1905), de Edith Wharton
  • “Diário de um homem supérfluo” (1850), de Ivan Turguéniev

Dois clássicos modernos escandinavos, um livro de não ficção, um clássico francês obrigatório, dois clássicos americanos, um clássico alemão e um clássico russo. Não há dúvida: a minha preferência é de facto a literatura clássica ocidental. E apesar de nenhum destes livros ter entrado para a lista da minha vida, todos me marcaram de uma forma especial, fosse pela novidade do tema, fosse pela escrita.

Como menção honrosa não posso deixar de referir a tetralogia das quatro estações de Karl Ove Knausgard, que me fez companhia ao longo do ano, pois li um livro por estação. Gostei muito de conhecer este autor norueguês naquele que foi, por excelência, o meu ano de literatura escandinava. Já tenho a sua série mais famosa, “A Minha Luta”, na estante para ler.

Em conclusão, 2023 foi um bom ano de leituras, apesar de infelizmente não ter havido nenhum coup de coeur. Estou igualmente satisfeita com o número total de livros que li, neste momento é o que a minha vida e rotinas diárias permitem fazer. Espero que o vosso ano literário também tenha sido positivo e desejo-vos um excelente 2024, cheio de saúde e amor, e, claro, óptimas leituras!

Literatura Europeia · Literatura Policial

Os Três Crimes dos Meus Amigos

Conheci Georges Simenon no secundário, quando a nossa professora de francês nos deu a tarefa de ler L’ Homme de Londres (1934), integralmente no original. Pouco ou nada me lembro do livro, mas como desafio foi uma boa experiência, não só porque me permitiu exercitar a língua, como me apresentou a um autor que eu haveria de querer seguir. Entretanto já li O Quarto Azul (1964) e, mais recentemente, Os Três Crimes dos Meus Amigos (1938).

Este último, não foi o que eu esperava. Como Simenon é sobretudo conhecido pelos seus policiais, tinha a expectativa de encontrar o inspector Maigret ou um crime que fosse desvendado por outro detective. No entanto, deparei-me com uma história baseada em factos reais, sobre a desilusão e a desesperança que se viveu após a I Guerra Mundial.

A história decorre num bairro de Liège, Bélgica, onde alguns jovens artista e intelectuais, desiludidos e traumatizados com I Guerra, começam a encontrar-se num lugar sórdido a que chamavam de “caque” e a cometer pecados mortais, como adorar o diabo, drogarem-se e prostituirem-se. No meio destas excentricidades, aparece um homem que se denomina “Fakir” e começa a fazer experiências num jovem rapaz pintor e doente que droga e acaba por levar ao suicídio. Mais tarde, “Fakir” é encontrado enforcado à porta de uma igreja, a escassos metros da “caque”.

Estes acontecimentos perturbam o narrador, amigo da vítima. Quando surge a oportunidade de seguir a carreira de jornalista num jornal satírico que acaba de aparecer pela mão de um conhecido seu, ele aceita. O problema é que o jornal é financiado com dinheiro suspeito e rapidamente se torna um meio de chantagem pública. É readquirido por outra pessoa, e o diretor original foge para Barcelona de modo a dedicar-se ao proxenetismo. O novo dono do jornal, sob a capa de um patriotismo artificial, acaba por ganhar fama e condecorações, enquanto se dedica a ciências ocultas e a fazer ameaças no seu jornal. É condenado, não sem antes fugir para, também ele, cometer o seu crime.

São estes os acontecimentos que Simenon narra, quase como uma recordação de juventude, enquanto se pergunta a si próprio se os seus três conhecidos eram assassinos em formação ou ficaram assim devido aos acontecimentos por que passaram. O livro termina sem que consiga dar uma resposta, cabendo ao leitor pensar numa solução, no entanto, são visíveis as marcas de uma guerra que traumatizou os jovens europeus que lutaram nas trincheiras para defender o seu país, e revela um mundo ocidental que começou a decair a partir daí. Um livro estranho, mas interessante.

Literatura Europeia · Literatura Francesa

Germinal

Émile Zola chamou-me particularmente a atenção quando li o seu maravilhoso O Paraíso das Damas (1883), há uns anos. Decidi então continuar a ler a sua obra, razão pela qual se tornou obrigatório ler aquela que é considerada a sua obra-prima.

Germinal (1885) seria escrito dois anos depois e faria parte, claro está, da série Les Rougon-Macquart, 20 livros dedicados a dois veios diferentes de uma mesma família do século XIX, um deles pertencente à classe alta, outro à classe baixa. Neste livro em particular, a personagem principal é Etienne Lantier, descendente direto da história de L’Assommoir (1887).

Etienne é um jovem mecânico do norte de França que, ao ver-se sem trabalho, decide arranjar emprego numa mina das redondezas. O que o espera é algo que o abala profundamente. Os mineiros vivem mal, num cortiço disponibilizado pela própria empresa, e têm péssimas condições de trabalho, não ganhando o suficiente para conseguirem sobreviver. Esta exploração impressiona tanto Étienne que ele decide aprofundar os seus conhecimentos sobre uma teoria recente que andava a circular pela Europa: o comunismo. Juntou-se a um emigrante russo, também ele trabalhador na mina, e com esta troca de ideias resolveu incitar os companheiros à greve. Ora, o resultado foi desastroso. Apesar de os mineiros em peso, e em desespero, terem alinhado na novidade, encontraram-se ainda em piores circunstâncias do que anteriormente por já não ganharem nem o pouco que dantes levavam para casa. Como consequência, o pior da sua humanidade veio ao de cima e foram praticados actos quase indescritíveis.

Para escrever Germinal, durante três meses Zola trabalhou numa mina e viveu perto dos mineiros de modo a conseguir descrever o que ali se passava. E como o descreve! O leitor fica com uma noção muito nítida de como era ser mineiro e pobre (para não dizer miserável) no século XIX, onde conceitos como segurança social, higiene e segurança no trabalho, horário de trabalho e de descanso, não existiam. Era uma exploração não só por dinheiro, mas também por ser simplesmente assim que as coisas se faziam naquela altura. Realidade que, gostando-se ou não, as ideias Marxistas vieram alterar.

Gostei muito de Germinal. Apesar de Zola ser um escritor demorado e levar o seu tempo a contar a história, fá-lo com muita técnica e clareza, pelo que não parece aborrecido nem maçudo. Os seus livros são extensos porque ele não quer deixar nenhum pormenor de fora, o que, na minha opinião, só enriquece a experiência de leitura. Recomendo vivamente este livro e, claro, prosseguirei com os livros do autor. O próximo da lista é Nana (1880).

Arte · Literatura Europeia

Peter Paul Rubens

Rubens

Sempre gostei muito de pintura. Desde pequena que frequento museus e me interesso por saber sobre a História da Arte e os seus movimentos artísticos. Há pouco tempo, comecei a ver um documentário na televisão sobre a Guerra dos 30 Anos e descobri, para meu espanto, que o pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640) fez parte dela… Como espião.

Durante a sua vida, Rubens gozou de uma popularidade imensa devido aos brilhantes quadros que pintava. Começou a desenhar ainda pequeno e desenvolveu a sua arte a tal ponto que era um dos pintores preferidos da aristocracia. Era tão popular que para conseguir dar resposta aos pedidos montou um atelier com aprendizes que o ajudavam a pintar os seus quadros. Um deles foi o também aclamado Van Dyck.

A sua fama fez com que a rainha Isabel de Espanha (que no início do séc. XVII governava também o sul da Holanda, de onde Rubens provinha) angariasse os seus serviços como espião/diplomata. A ideia era fazer com que Rubens espiasse e fizesse acordos com nações inimigas quando fosse chamado a uma dessas cortes para pintar os retratos de reis. O pintor tinha uma personalidade agradável e era muito sensato, pelo que foi quase sempre bem sucedido nas suas missões. O seu grande objetivo foi a paz na Europa e “lutou” por ela até ao fim dos seus dias.

Enquanto artista, Rubens destacou-se no movimento Barroco, onde os exageros, as formas generosas das mulheres e a sensualidade são as maiores características. Pintou quase todos os temas: religiosos, míticos, cenas de guerra, cenas campestres, paisagens de cidades, retratos de família, de grandes personalidades e auto-retratos. Em todos eles era um mestre. A sua segunda mulher, Helena Fourment, foi a sua grande musa. Casaram quando ela tinha 16 anos e ele 53, tiveram cinco filhos e foram felizes naquela que foi a última década de vida do pintor. Quadros como Os Horrores da Guerra (1637-38), As Três Graças (1636-38); e O Casaco de Peles (1638), por exemplo, têm-na como protagonista. No Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, encontra-se um dos seus retratos feitos pelo marido.

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O Vermelho e o Negro

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Quando uma das minhas Booktubers preferidas disse que um dos livros da sua vida era O Vermelho e o Negro (1830), de Stendhal, a minha motivação para o ler foi mais que muita. Especialmente porque o tinha dividido em dois volumes como parte integrante de uma coleção que fiz há cerca de 20 anos…

Esta história passa-se na França do início do século XIX e relata a vida de Julien Sorel, o filho de um carpinteiro que vive numa parte rural do país e que sonha com a ascensão social. Como é muito inteligente, Julien acaba por se tornar o protegido de um padre que lhe ensina latim e lhe arranja o lugar de tutor no seio de uma família nobre da região. Julien acaba por se apaixonar pela senhora da casa, Madame de Rênal, e como a relação é impossível porque ela é casada e tem filhos, Julien vai para Paris trabalhar para o seio da nobreza sofisticada, onde lhe acontecem as maiores peripécias.

Neste romance, Stendhal dá-nos pela primeira vez o que é hoje designado como “romance psicológico”. Estamos sempre na cabeça de Julien, percebemos o seu raciocínio e as suas emoções, e temos uma maior compreensão e entendimento do seu carácter. Ao mesmo tempo, o realismo e o contexto histórico descritos pelo autor fazem com que tenhamos uma noção do que a França era na altura e as movimentações sociais que, mais tarde, deram origem às revoluções de 1830 e 1848.

Gostei muito deste livro. A sua leitura é fácil, agradável e imersiva. Para mim o ponto alto foi o final, completamente inesperado, e a moral da história, infelizmente sempre tão atual. Recomendo vivamente este clássico da literatura e fico satisfeita por ter dado ouvidos à recomendação que indiretamente me foi feita. O Vermelho e o Negro é certamente um livro a não perder.

Literatura Europeia

A Guerra das Salamandras

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Admito que não sou grande leitora de ficção cientifica, mas quando me recomendam um clássico do género, tenho dificuldade em recusar a leitura. Acho que é a minha vontade de saber e aprender mais sobre aquilo que não sei que me levou a ler A Guerra das Salamandras (1936), de Karel Capek.

Karel Capek (1890-1938) foi um prolífico escritor checo que se notabilizou no género de ficção cientifica (muitas vezes em colaboração com o seu irmão Josef). Ficou sobretudo conhecido pela peça de teatro R.U.R. (que deu origem à palavra ROBOT), e pelo romance A Guerra das Salamandras.

Este último é uma sátira ao momento e ao contexto político em que o autor vivia, no início do século XX, aquando da chegada ao poder de várias ditaduras autoritárias. Conta a história de um explorador que encontra uma salamandra no Pacífico e percebe que ela é suficientemente inteligente para seguir ordens e desenvolver-se intelectualmente. Como as salamandras se reproduzem em grandes quantidades e são ótimas trabalhadoras, muitos países as adotam para fazer os trabalhos pesados. Principalmente no que toca a ganhar território ao mar, algo em que são peritas. O problema, é que passados vários anos, as salamandras são mais numerosas do que os humanos e já não se deixam subjugar como dantes.

Mais do que um texto de ficção científica, A Guerra das Salamandras é uma crítica ao comportamento humano que pela sua ganância e ânsia de poder entra em guerras desnecessárias e destrói vidas inutilmente. Gostei muito deste livro. Realmente é diferente do que normalmente leio, mas de vez em quando é bom sairmos da nossa zona de conforto para descobrir obras que nos surpreendem e fazem pensar de uma nova forma. Recomendo.

Literatura Europeia

Carta ao Pai

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Depois de ler O Processo (1925), A Metamorfose (1915), O Artista da Fome (1924), e O Castelo (1926), só me faltava Carta ao Pai (1952) para completar a leitura das obras mais emblemáticas de Franz Kafka.

Carta ao Pai é um livro curto, de não ficção, no qual Kafka se dirige ao progenitor para lhe dizer que são os dois pessoas muito diferentes, e que, por isso, não vêem o mundo da mesma forma. Kafka acusa-o diretamente de ter sido um mau pai (embora não com termos tão directos), e critica as suas atitudes de déspota e arrogante não só para com os familiares, como também para com os funcionários da sua loja.

Kafka revela que a relação que o pai teve com as outras três filhas também não foi fácil, deixando assim transparecer o seu autoritarismo, e acrescenta que a vida familiar não foi fácil devido ao carácter mal formado e intolerante do progenitor. Franz faz igualmente mea culpa de modo a não acusar o pai de todos os males passados na infância, contudo fica subentendido que a (má) influência do pai terá sido decisiva para ele se considerar tímido e pouco confiante.

Carta ao Pai não é uma obra obrigatória, porém, para quem gosta de Kafka é um óptimo meio para conhecê-lo melhor e perceber como ele próprio se via como criança e adulto numa sociedade entre guerras, rapidamente em mudança. Uma leitura muito interessante que completou o meu ciclo Franz Kafka.

Literatura Europeia · Literatura Francesa

A Educação Sentimental

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Comprei A Educação Sentimental (1869), de Gustave Flaubert, há muitos anos e o meu exemplar estava esquecido na estante, sendo de súbito ressuscitado pelo clube de leitura de uma Booktuber de quem gosto bastante. Devo dizer que quando acabei a leitura conclui que esta obra não fica a dever nada a Madame Bovary (1856).

A Educação Sentimental conta a história de Frédéric Moreau, um jovem francês estudante de Direito e cheio de sonhos que se apaixona perdidamente pela Sra. Arnoux, uma mulher mais velha, casada e com filhos. Durante vários anos, Frédéric faz de tudo para se aproximar da sua amada, pondo o seu amor à frente de tudo e de todos. Enquanto a trama decorre, dá-se a crise económica, política e social de 1848 que acaba por culminar na tão afamada República Francesa.

Este livro é muito importante porque foi com ele que Flaubert consolidou de vez o Realismo na Literatura, juntando ficção e realidade numa história que critica abertamente o Romantismo. Creio que o final grandioso dá sentido ao texto e ata as peças soltas, ensinando-nos que, por vezes, os sonhos podem ser destrutivos e que a falta de objetivos de vida ou ambição pessoal pode levar a que desejemos algo que não é para nós.

Com A Educação Sentimental, Flaubert despoletou a minha curiosidade em relação à sua obra. Já comprei  Salambô (1862), e não devo tardar a lê-lo. Nesta ocasião precisei de uma ajuda externa para conhecer este grande livro. Foi a minha primeira participação num clube de leitura e, seguramente, não será a última.

Literatura Europeia

O Castelo

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Depois de ler A Metamorfose (1915) e O Artista da Fome (1924), de Franz Kafka, resolvi comprar um dos seus livros mais famosos, O Castelo (1926). Hesitei porque Kafka nunca o terminou, contudo, e para minha surpresa, não me importei muito que a história não tivesse um final.

Nesta obra, Kafka relata o estranho episódio em que K, um agrimensor de fora da cidade, é contratado pelo Castelo para trabalhar na identificação dos terrenos locais. Contudo, os habitantes não ficam contentes com a sua chegada, pelo que o menosprezam e dificilmente lhe dão guarida. Quando K tenta ir ao Castelo para esclarecer a sua situação, nunca lá consegue entrar porque pelo caminho vai encontrando obstáculos bizarros.

Durante a leitura, achei esta história bastante parecida com a de O Processo (1925). Ambas as personagens têm o menos nome, ambas se vêem envolvidas em situações similares, e, no geral, o ambiente do livro parece o mesmo: claustrofóbico, caótico, desordenado. Creio que Kafka terá querido expressar nos seus livros o tempo confuso em que vivia. No período entre guerras, as tensões sociais e as incertezas (principalmente para os judeus) eram enormes, e o autor terá tentado demonstrar a falta de respostas e certezas perante o silêncio e a ambiguidade que sentia.

Nunca saberemos ao certo o que Kafka quis realmente dizer, a minha é uma de muitas interpretações. No entanto, é ao lê-lo que fazemos com que a sua memória permaneça viva, uma memória que põe o Estado burocrático e, por vezes, esmagador no centro da trama como um vilão. Creio que muitas pessoas sabem perfeitamente o que isso é.