Literatura Norte-Americana

O Céu É Dos Violentos

Flannery O’Connor (1925-1964) foi uma escritora norte-americana conhecida maioritariamente pelos seus contos. Estes tiveram tanta importância que hoje em dia o nome da autora dá título ao prémio de contos mais prestigiante dos Estados Unidos, o Flannery O’Connor Award for Short Fiction. No entanto, O’Connor também escreveu dois romances que eu já tive oportunidade de ler. Esta publicação é sobre o segundo, entitulado: O Céu É Dos Violentos (1960).

Flannery O’Connor nasceu na Georgia no seio de uma família irlandesa católica. O seu pai morreu prematuramente de lúpus, pelo que ela e a mãe foram viver para a quinta Andalusia, em Milledgeville, entretanto convertida em museu. O’Connor frequentou a escola pública local e mais tarde ingressou na Universidade Estatal Para Mulheres da Georgia, onde estudou sociologia e literatura inglesa. Começou a escrever contos para revistas e a ser notada pelos seus pares, especialmente por Andrew Lyttle, mais tarde seu editor e amigo.

É impossível desassociar a fé religiosa de O’Connor da sua literatura. Sendo católica praticante, escreveu mais de cem críticas literárias de textos religiosos para dois jornais diocesanos da Georgia. Esta devoção é patente nos seus dois romances.

Em O Céu É Dos Violentos conhecemos Mason Tarwater, um velho evangelista afastado da sociedade que tem como preocupação principal batizar e converter. Autodenomina-se profeta e quando a sua irmã e restante familia morrem num acidente de viação decide adotar o seu sobrinho-neto bebé para fazer dele o seu discípulo. No entanto, Rayber, o seu sobrinho adulto que também sobreviveu ao acidente, tenta resgatar o bebé, sem êxito. Francis é assim educado pelo profeta que lhe faz uma “lavagem cerebral” e o obriga a prometer que o enterra em solo sagrado quando morrer. Ora, Tarwater morre e Francis, após tentar cumprir a promessa, resolve pegar fogo à casa e ao velho, e fugir ao encontro do seu tio Rayber. Este recebe-o de braços abertos, disposto a ajudá-lo a esquecer o passado e os ensinamentos de Tarwater, contudo, Francis já está muito doutrinado e influenciado, percebendo que é muito difícil, senão mesmo impossível, libertar-se.

Para mim, este livro tem como temática o fanatismo religioso e como este afeta uma pessoa desde tenra idade. No entanto, e ao mesmo tempo, Flannery O’Connor expressa através deste fanatismo as suas convicções religiosas e a razão pela qual pensa que o catolicismo deve ser transmitido e assimilado. Francis teve uma vida rude, árdua e custosa para poder mostrar aos outros os ensinamentos de Cristo e, assim, salvá-los. Sacrificou-se, tal como Jesus e os apóstolos, por uma causa maior. Foi vítima de violência, de negligência e de maus tratos para poder cumprir o seu desígnio. Foi quase “um mal necessário” para salvar o resto da comunidade de uma vida secular e sem sentido.

O título da obra refere-se a um versículo do Evangelho Segundo S. Mateus (11:12): “Desde os dias de João Baptista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e violentos são os que se apoderam dele.” Estas palavras foram várias vezes interpretadas, sendo uma das explicações a de que quando se comete um ato de violência com vista ao bem maior, a vontade de Deus, esse ato de violência é justificado. Há uma cena óbvia no livro em que tal acontece, quando Francis ao tentar batizar Bishop o afoga sem querer. Trata-se de um homicídio acidental, mas, como o objetivo era o de batizar a criança para que ela entrasse no céu e se convertesse ao catolicismo, o ato foi justificado.

Há muito mais a dizer sobre O Céu É Dos Violentos. Na minha opinião, Flannery O’Connor é uma escritora brilhante que, em poucas páginas, nos faz sentir inúmeras emoções ao mesmo tempo e nos faz duvidar do que pensamos. As suas histórias são violentas, agressivas, cruéis, obscuras e satíricas. Não queremos parar de lê-las nem de nos espantarmos com a maturidade da sua escrita. Só temos pena que não tenha escrito mais pois, tal como o seu pai, o lúpus tirou-lhe a vida aos 39 anos. Ficam os contos e os livros que, a meu ver, deveriam ser mais conhecidos.

2 thoughts on “O Céu É Dos Violentos

  1. boa tarde Margarida, dos comentários que li sobre a obra de Flannery O´connor esse foi disparado o melhor.
    infelizmente ainda não li a referida obra por ti comentada, tive o prazer e a grata surpresa de ler o seus contos no livro “Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias.” obra esse que me fez virar fã desse escritora que me cativou e por isso estou aqui lendo com felicidade a sua analise.
    você saiu da casinha do lugar comum dos comentários trazendo para o futuro leitor do livro algumas referencias para a maior compreensão e degustação da leitura.
    grato por suas palavras de um fã que viu a sua escritora ser respeitada em num resumo gracioso e eficiente.

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